Ao ser confrontada com a pergunta de Ary Barroso em meio a um grande festival, aquela menina negra da comunidade, com filhos pra criar, saída de um casamento arranjado machista, que comeu o pão que a sociedade amassou, não se deixou intimidar. Ergueu a cabeça, e com voz firme respondeu à Ary Barroso a pergunta anteriormente feita: "De que planeta você veio?" A menina então respondeu: Do mesmo planeta que o senhor, seu Ary, do planeta Fome! Uma platéia que ria da aparência, da roupa, da cor da menina, aquietou-se e sentou-se. Ouviram atentamente aquela menina cantar "Lama". E ali nasceu uma estrela. Desça a publicação e dê um play na música lá embaixo, enquanto lê o que preparamos.
Essa história leva a cada um de nós a fazer-nos essa pergunta e responder com sinceridade. De que planeta viemos? Viemos de um planeta que há preconceito contra o negro, contra o nordestino, mas não há preconceito se um deles for rico. Viemos de comunidades onde pessoas foram duramente excluídas e conglomeradas por causa de sua cor, sua condição social. Viemos de um Brasil extremamente cruel e repressivo, que por todos esses anos pregou desigualdade disfarçada de benefícios e ilusões como forma de oportunidade pra um povo que trabalha pro que der e vier. Um povo que quer ter a casa própria, e a em infinitas vezes sob juros que dobram e triplicam o valor da casa, um povo que quer andar de carro sendo que um carro popular tem mais da metade do valor de imposto. Um povo que sabe o dia de hoje e não sabe o de amanhã. Que convive com a violência morando ao lado, e mora culturalmente no seio de um país que diz duramente: "você colhe o que planta." Somos de um Brasil que determina até média de vida por tipo de população: jovens negros, mulheres negras, LGBT etc, e o resto do país senta e aplaude todos esses números e estimativas como se tivesse num grande espetáculo teatral, de um país onde levar 80 tiros acidentalmente é "normal". Viemos da Lama, e hoje quem nos difama viveu na lama também.
O nome da menina da história é Elza Soares. Quantas Elzas existem sofrendo por violência doméstica? Que enterraram o filho jovem morto por engano por ser negro, que ganham menos por serem mulheres, que saem de casa dentro de um espaço social configurado pra te dizer não e te depreciar pela sua roupa, pela sua cor, pela sua condição social, que tem a sua voz calada repressivamente pelo machismo social pré-configurado? Quantas pessoas existem nesse Brasil que ouvem a história de "ascensão da classe C" e que se perguntam: que classe é essa? Onde tá essa ascensão? Porque tudo se apresenta de forma altamente taxativa e repressiva. Um povo tido como burguês que trabalha, estuda, cria filhos, e ainda suporta tudo isso citado acima. De que planeta nós viemos?
Comentários
Postar um comentário